Não é sonho. É ego!
Crônica

Não é sonho. É ego!

A FOTO DA HIPERLOTAÇÃO PERTO DO CUME DO EVEREST MOSTRA O PERIGO DE TRANSFORMAR A MONTANHA EM TURISMO

Montanhismo é um esporte que exige conhecimento, vivência e afinidade para lidar com situações de pleno desconforto. Diferente de outros esportes, o montanhismo é uma atividade de extensa e penosa duração, na qual, muitas vezes, expõe o praticante a situações extremas.

Considerar os riscos é o mínimo que o montanhista deve fazer ao sair para a montanha, bem como ser autossuficiente e protagonista de sua própria andança. Não é um esporte coletivo. É individual. Ainda que possa ser feito em grupo. É fácil afirmar isso porque ninguém anda por ninguém. E cada um carrega a própria mochila.

O montanhismo é recheado de subjetividade e misticismo, fatos que atraem cada vez mais novos adeptos ao esporte. Só que no montanhismo não dá para pular etapas. Os atalhos, que só deveriam acontecer nas andanças na montanha, ganham novo sentido a partir do momento que praticantes começam a frequentar a montanha por razões erradas – por causa do ego, likes e para virarem “referências” no esporte.

Para um montanhista consciente, olhar para a foto de Nirmal Purja – imagem (capa) que ganhou destaque mundial ao mostrar uma fila gigantesca próximo ao cume do Everest – é algo que inspira terror e bizarrice. Isso porque a cena denota várias circunstâncias: mortes iminentes, medo do fracasso, inexperiência e turismo de aventura em local errado. E ego, muito ego.

Para quem não sabe, acima dos 8.000 metros é a zona da morte: um local onde o corpo já está fadado à falência, no qual o metabolismo não trabalha de maneira eficiente, assim como o cérebro, principalmente. As montanhas acima dos 8.000 metros possuem essa realidade – e por essa razão sempre atraiu montanhistas experientes, simplesmente porque é um local para quem sabe o que está fazendo. Ou melhor, é um ambiente para quem possui ampla experiência e vivências de anos, talvez de décadas.

O Everest, por ser a montanha de maior altitude do mundo (8.848m), tornou-se largamente o sonho de consumo de muitos montanhistas, bem como o de turistas, os quais decidem encarar a montanha porque a mesma representa um troféu e uma fogosa massagem no “eu interior”.

Os custos também contribuem para as pessoas se estapearem na longa fila indiana, isso porque o valor, dependendo da agência, pode chegar até 250 mil reais. Ou seja, a fila registrada por Nirmal Purja é também um grito de desespero de quem investiu alto para ter uma foto no topo do mundo.

O mais interessante é que, muitos do que alcançam o cume do Everest, voltam como palestrantes, seres “humildes” e abençoados pela montanha, mas investiram demasiadamente para tal status.

A verdade que sempre soubemos que nos últimos anos o cume do Everest pode ser simplesmente comprado, mas agora a situação passou dos limites. O sentimento é de vergonha.

Rafael Kosoniscs

Sou jornalista e publicitário, tenho 36 anos e viajo de mochila nas costas há 12 invernos. Tenho a mochilagem e o montanhismo como paixões. Vou publicar meu primeiro livro este ano – e você já está convidado(a) para o lançamento. Fique de olhos nas redes para não perder, ok? Siga: @seumochilao | @rafaelkosoniscs

2 Comentários

Clique aqui para postar um comentário

Planejamento

Inscreva-se!

Guia credenciado