Crônica

Ao lado da janela

Janela
Janela

Demora uns dez, quinze, vinte minutos até ele aparecer. Esse é o tempo que espero o ônibus fretado da faculdade chegar. Quando o veículo estaciona à margem da sarjeta, o motorista tem o costume de dizer: “Boa noite, abençoados”. A voz irônica do sujeito me confunde, não sei ao certo o que ele quer dizer. É assim todos os dias.

Da janela do busão vejo São Paulo do jeito que as pessoas gostam de retratá-la: cinza, úmida, melancólica – nem sempre a cidade fica assim. Mas hoje, quinta-feira, 06 de abril, Sampa tá desse jeito. Ônibus em silêncio. É semana de prova e a maioria dos passageiros ensaia alguma tentativa de estudo. E, no meio da Marginal Tietê, observo centenas de carros enfileirados, todos parados numa poética fila indiana de metal. Nem som de buzina se escuta, parecem todos conformados e habituados com essa rotina. É normal.

Eu, que moro em São Paulo desde sempre, não estou acostumado com isso – embora sempre tenha vivido lado a lado com o hábito furioso da cidade grande. Mas sou o cara que prefere o transporte público, especialmente trem e metrô, simplesmente porque não há congestionamento neles. Contudo, minha paixão mesmo é andar a pé. Até tenho um carro, mas está apodrecido na garagem, parecendo uma laranja esquecida na fruteira.

E sabe por que gosto de caminhar – tanto na natureza quanto na cidade? Porque é o momento que consigo ter boas ideias. Quando tive minha agência de publicidade – fisicamente falando – voltava todo dia caminhando. Eram 4km de intensa reflexão, de insights, de projetos criados e descartados em questão de minutos. Agora, a janela do ônibus virou minha nova ferramenta de inspiração.

E embora já conviva ao lado da janela sabe-se lá quantos anos, porque sempre nos encontramos em viagens e, muitas vezes, falamos de nossas vidas, ouvimos boa música, trocamos confidências e choramos. Quem é que nunca chorou na janela do busão? E, acontece que, agora, nossa relação será diária e com hora marcada. O motivo? Comecei a estudar jornalismo este ano, aí tenho que pegar o bendito ônibus. Todo o sacrifício para aprimorar este blog e me oferecer um olhar mais profundo em minhas viagens. Convenhamos: estudar é bom demais, mas para encarar uma segunda graduação tem que ter coragem.

Não digo somente da valentia em voltar a estudar, não. Mas de encarar a janela todos os dias, porque ela tá mais para um amplificador de pensamentos e sentimentos do que para oferecer uma vista do lado de fora. Se não tomar cuidado, amigo, tá ferrado. Ela pode te levar do céu ao inferno rapidinho.

Muitos dos projetos que criei foram construídos numa caminhada: marcas, slogans e até mesmo layouts já foram desenvolvidos previamente durante uma solada despretensiosa. E algumas das minhas viagens também nasceram assim, muitos textos do blog também. Então, meu ápice criativo acontece em movimento – e agora aprendendo a lidar com a janela do busão. Espero que surjam ideias, como essa crônica que acabei de rabiscar ao lado dela, da janela.

 

Foto: shutterstock.com

Rafael Kosoniscs

Sou jornalista e publicitário, tenho 36 anos e viajo de mochila nas costas há 12 invernos. Tenho a mochilagem e o montanhismo como paixões. Vou publicar meu primeiro livro este ano – e você já está convidado(a) para o lançamento. Fique de olhos nas redes para não perder, ok? Siga: @seumochilao | @rafaelkosoniscs

11 Comentários

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  • Muuuuuito bom!!! De lá do post sobre o tiwanaku migrei pra cá!
    Ótimo passear pelas crônicas também!
    Os relatos de viagem fazer viajar junto tendo de quebra todas informações que buscamos quando fuçamos blogs de viagem! Mas as crônicas fazem viajar a viagem interior… Como esta sua na janela do busão!
    E, ironia da vida, se não houver esta primeiro, viagem viajada, a outra não acontece. Tem de ser um pouco louco pra ir e partir!
    Que venham muitas crônicas! Escritas lá no topo da montanha, rascunhadas por aí afora!
    Viste o meu!
    http://www.clicandoeconversando.blogspot.com.br
    Abraços

    • Susi, ainda estou me aventurando nas crônicas, mas muito obrigado pelo feedback. E concordo contigo, para viajar nas palavras é preciso antes viajar de verdade, gastar sola do sapato e andar pra valer. Espiei seu blog, comecei com o template igual ao seu. Toda a sorte do mundo pra ti! Um abraço!

      • Admirei mais ainda! Você iniciou no blog e permaneceu!!!
        Que é a parte mais difícil!
        Mantendo, alimentando, enriquecendo mais e mais!!!
        Estou pesquisando direto aqui! Muito rico teu blog.
        Ah! E obrigada por espiar lá!
        É bem simples. Legal saber que começou com algo naquele formato!
        O que tiver de ficar, conselhos, serão bem vindos!!!
        Obrigada!

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