África Namíbia

A maravilhosa experiência de ter o celular furtado na Namíbia

Kamanjab, um pequeno vilarejo da Namíbia, era parte do meu roteiro de viagem nesse país do Sul da África. Fiquei poucos dias no continente africano. Nesse tempo, parece que vivi uma vida inteira. Tive momentos incríveis, outros nem tanto, como o episódio do meu celular furtado, mas que teve um final surpreendente.

Então, no meio dessa minha viagem, fui para Kamanjab conhecer os Himbas, que fazem parte dos últimos povos semi-nômades da África, que resistiram à colonização alemã – e ao genocídio1 –, migrando para regiões desérticas do país, sem se deixarem contaminar com os costumes europeus. E, durante minha experiência com os Himbas, conheci Tengo Nigorera, nascida na tribo, mas que, ao contrário da maioria dos indígenas, decidiu estudar na capital do país, Windhoek, para aprender inglês e trabalhar, entre outras coisas, como intérprete de nativos e viajantes. Mesmo tendo morado um período longe dali, ela ainda cultua as tradições da comunidade, postura que a faz ser aceita na aldeia sem maiores problemas.

Tribo Himba, próximo a Kamanjab, Namíbia.
Tribo Himba, próximo a Kamanjab, Namíbia.

 

Com o interesse de manter relações com a comunidade, principalmente por causa da escolinha infantil que funciona ali mesmo no complexo dos Himbas, peguei o contato de Tengo. Nos despedimos logo após a visitação. E segui, junto com o blog Viagem Primata, Namíbia adentro. Horas e horas de estrada de asfalto e terra, revezamento de volante, playlist comendo solta… e foi quando falei: cadê meu celular? Não tenho costume de viajar com o tal aparelho. Geralmente deixo-o em casa, mas como faria um longo percurso de carro, cujo GPS seria necessário, resolvi levar. E só seria útil para essa finalidade, já que durante uma viagem faço questão de ficar longe de Facebook e de todas as outras redes sociais. E, por esse motivo, não percebi de imediato que meu celular tinha sumido. O resultado? Parei o carro. Virei tudo do avesso, joguei tudo para fora do veículo, desfiz e refiz a mochila, procurei em todos os cantos possíveis. Não queria fazer julgamentos, mas estava claro que meu celular tinha sido furtado, porque me lembrava de tê-lo visto dentro da barraca durante o dia. E estava evidente que eu tinha dado sopa pro azar.

O Rafa, do outro blog, lembrou da Tengo e, através de seu cel, fez contato com ela. A resposta veio de forma rápida. “Vou ver o que aconteceu aqui”, falou Tengo de maneira curta. “Daqui algumas horas mando mensagem de novo e aviso se consegui saber de algo.”

Tribo Himba, próximo a Kamanjab, Namíbia.
Tribo Himba, Namíbia

 

Quem já experimentou um furto sabe que a sensação é estranha. Preferi não cultivar o sentimento de indignação, ainda mais por estar em um local de situação econômica extremamente difícil, cujo passado recente é tenebroso. E, por morar o Brasil, não tenho motivos para ficar surpreso. Sei como as coisas funcionam. Em nosso país furtos também acontecem. Então, um maldito celular não poderia estragar uma viagem. E não aceitaria que acabasse com a minha. Desencanei. Desviei pensamentos. Me perdoei pelo erro. E mais do que isso: o fatídico acontecimento não deveria interferir na maravilhosa experiência que eu tive na tribo. Estava decidido!

Para ir na contramão do óbvio, foi aí que tive um outro feedback: “Seu celular está aqui! Um menino pegou, mas já está comigo”, disse Tengo nos mostrando esperança. E o improvável aconteceu. Dias depois, ela nos encontrou na capital do país. Tengo viajou mais 46 horas, pegou caronas, fez praticamente o impossível para chegar até Windhoek.

Em outras palavras, todo esse acontecimento não tem nada a ver com celular. O aparelho é mero coadjuvante. Tengo deu uma lição, me mostrou que devemos sempre fazer o bem sem medir esforços – e sem ter que precisar viajar 46 horas para fazer algo de útil ao próximo. E é claro que fiz questão de arcar como todos os custos de sua viagem. Era o mínimo que podia fazer.

Ainda não assimilei tudo o que aconteceu. Só sei que me furtaram na Namíbia, mas sou eu quem sinto completamente em débito com as pessoas daquele país, em especial à Tribo Himba e à Tengo Nigorera.

 

O blog Seu Mochilão viajou com apoio da GTA Assistência de Viagem. As opiniões expressadas sobre as experiências serão isentas e pessoais. A viagem faz parte do projeto Mochiláfrica.

 

genocídio ocorreu no Sudoeste Africano Alemão, onde hoje se localiza a Namíbia, entre 1904 e 1908, durante a partilha da África. É considerado o primeiro genocídio do século XX. Estima-se que 80 mil homens, mulheres e crianças foram mortos por balas, canhões, fome ou sede.

 

 

Rafael Kosoniscs

Sou jornalista e publicitário, tenho 36 anos e viajo de mochila nas costas há 12 invernos. Tenho a mochilagem e o montanhismo como paixões. Vou publicar meu primeiro livro este ano – e você já está convidado(a) para o lançamento. Fique de olhos nas redes para não perder, ok? Siga: @seumochilao | @rafaelkosoniscs

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